O Investidor Anjo em Sociedades do Simples Nacional

Introdução
O ecossistema de startups e empresas inovadoras no Brasil tem crescido exponencialmente, impulsionando a busca por capital e mentoria para transformar ideias em negócios de sucesso. Nesse cenário, a figura do investidor anjo emerge como um pilar fundamental, não apenas como fonte de recursos financeiros, mas também como um mentor estratégico que compartilha sua experiência e rede de contatos.

Paralelamente, o Simples Nacional, um regime tributário simplificado, tem sido a escolha de muitas micro e pequenas empresas (MPEs) devido à sua menor carga burocrática e tributária.

A interação entre o investidor anjo e as empresas optantes pelo Simples Nacional, no entanto, sempre gerou dúvidas e preocupações, principalmente no que tange à possibilidade de desenquadramento do regime simplificado. Este estudo detalhado tem como objetivo analisar a relação entre o investidor anjo e as sociedades do Simples Nacional, explorando as legislações pertinentes e suas implicações práticas.

Serão abordados os conceitos de investidor anjo e Simples Nacional, as principais leis que regulamentam o investimento anjo no Brasil e como essas disposições legais garantem a segurança jurídica para ambas as partes, permitindo que as MPEs do Simples Nacional recebam aportes sem perder seus benefícios.

O que é um Investidor Anjo?

Um investidor anjo é uma pessoa física (ou, em alguns casos, jurídica) que investe capital próprio em empresas nascentes com alto potencial de crescimento, geralmente startups. Além do aporte financeiro, o investidor anjo frequentemente oferece sua experiência, conhecimento de mercado e rede de contatos para auxiliar no  desenvolvimento do negócio. Eles são, em geral, empresários, executivos ou profissionais liberais com uma bagagem de mercado considerável.

O investimento anjo é considerado um investimento de risco, feito em estágios iniciais da empresa, com o objetivo de obter um retorno significativo no futuro. O valor do investimento pode variar, e muitas vezes é feito em conjunto com outros investidores anjo.

O que é o Simples Nacional?

O Simples Nacional é um regime tributário simplificado e unificado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos, aplicável a Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP). Ele foi criado com o objetivo de reduzir a burocracia e os custos para esses tipos de empresas, unificando o pagamento de diversos impostos federais, estaduais e municipais em uma única guia (DAS – Documento de Arrecadação do Simples Nacional). Para aderir ao Simples Nacional, a empresa deve atender a certos requisitos de faturamento anual, que atualmente é de até R$ 4,8 milhões para EPPs.

Relação entre Investidor Anjo e Simples Nacional

É possível que empresas optantes pelo Simples Nacional recebam investimentos de investidores anjo. A principal preocupação nesse cenário é garantir que o aporte de capital do investidor anjo não descaracterize a empresa como Microempresa (ME) ou Empresa de Pequeno Porte (EPP) e, consequentemente, não a desenquadre do Simples Nacional. Para isso, a legislação brasileira buscou regulamentar essa relação, estabelecendo que o investimento anjo não deve integrar o capital social da empresa, mas sim ser formalizado por meio de um Contrato de Participação.


Essa formalização é crucial para que o investidor anjo não seja considerado sócio da empresa para fins tributários e societários, evitando que sua participação gere a perda dos benefícios do Simples Nacional. Além disso, a lei prevê garantias para o investidor anjo em caso de venda da empresa, assegurando seus direitos sobre o investimento realizado.

Legislação sobre o Investidor Anjo no Brasil

A figura do investidor anjo no Brasil foi regulamentada principalmente pela Lei Complementar nº 155/2016, que alterou a Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte). Mais recentemente, a Lei Complementar nº 182/2021 (Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador) trouxe novas disposições e reforçou a segurança jurídica para o investidor anjo.

Lei Complementar nº 155/2016

Esta lei foi um marco importante para o investimento anjo no Brasil, pois inseriu o Art. 61-A na Lei Complementar nº 123/2006, que trata especificamente do investidor anjo. Os principais pontos dessa legislação são:

  • Natureza do Investimento: O aporte do investidor anjo não integra o capital social  da empresa. Ele é realizado por meio de um Contrato de Participação, com prazo máximo de sete anos.
  • Não Caracterização como Sócio: O investidor anjo não é considerado sócio da empresa, não tendo direito a voto ou gerência, nem respondendo por dívidas da empresa, inclusive em caso de recuperação judicial ou falência.
  • Remuneração: O investidor anjo pode ser remunerado por seus aportes, limitado a 50% dos lucros apurados pela sociedade, durante o período de vigência do contrato.
  • Direito de Venda Conjunta (Tag Along): Em caso de venda da empresa, o investidor anjo tem o direito de vender sua participação nas mesmas condições oferecidas aos sócios.
  • Direito de Preferência: O investidor anjo tem direito de preferência na aquisição de cotas ou ações da empresa, caso os sócios decidam vendê-las.

Lei Complementar nº 182/2021 (Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador)

O Marco Legal das Startups veio para aprimorar o ambiente de negócios para startups e investidores, trazendo maior clareza e segurança jurídica. Em relação ao investidor anjo, a LC 182/2021 reforça e detalha alguns aspectos:

  • Definição de Investidor Anjo: A lei reitera que o investidor anjo é aquele que não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa, e não responde por qualquer dívida da empresa.
  • Contrato de Investimento: O contrato de investimento com o investidor anjo pode prever a participação nos resultados da empresa, a opção de compra de participação societária e o direito de preferência na aquisição de cotas ou ações.
  • Exclusão de Responsabilidade: A lei é explícita ao afirmar que o investidor anjo não será considerado parte para fins de desconsideração da personalidade jurídica, mesmo em caso de falência da empresa.

 

Essas legislações foram fundamentais para trazer segurança jurídica e incentivar o investimento anjo no Brasil, especialmente para as empresas que optam pelo Simples Nacional, garantindo que o aporte de capital não as desenquadre do regime tributário simplificado.

Legislação sobre o Simples Nacional

A principal legislação que rege o Simples Nacional é a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Esta lei estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Os pontos mais relevantes da LC 123/2006 para o entendimento do Simples Nacional incluem:

  • Definição de Microempresa (ME) e Empresa de Pequeno Porte (EPP): A lei define os limites de faturamento anual para enquadramento como ME e EPP, que são critérios essenciais para a opção pelo Simples Nacional.
  • Regime Unificado de Arrecadação: Institui o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional, que unifica o recolhimento de diversos impostos e contribuições.
  • Benefícios e Vantagens: A lei prevê uma série de benefícios e vantagens para as empresas optantes pelo Simples Nacional, como a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, a redução da carga tributária e a facilitação do acesso a crédito e mercados.
  • Exclusões do Simples Nacional: A lei também estabelece as condições e atividades que impedem uma empresa de optar pelo Simples Nacional, como o faturamento acima do limite, a participação em outras empresas como sócio ou a exploração de determinadas atividades econômicas.

 

É importante ressaltar que a Lei Complementar nº 123/2006 sofreu diversas alterações ao longo do tempo, sendo a Lei Complementar nº 155/2016 uma das mais significativas, pois incluiu as disposições sobre o investidor anjo, como detalhado anteriormente.

Implicações da Legislação para o Investidor Anjo no Simples Nacional

A regulamentação do investidor anjo no Brasil, especialmente por meio da Lei Complementar nº 155/2016 e da Lei Complementar nº 182/2021, foi crucial para permitir que empresas optantes pelo Simples Nacional recebam investimentos sem perder os benefícios desse regime tributário simplificado. As principais implicações e garantias legais são:

Não Descaracterização do Simples Nacional
Um dos maiores receios de empresas do Simples Nacional ao buscar investimentos era o risco de serem desenquadradas do regime. As legislações abordam essa questão de forma direta:

  • Não Integração ao Capital Social: A Lei Complementar nº 155/2016 estabelece claramente que o aporte do investidor anjo não compõe o capital social da empresa. Isso é fundamental, pois a participação de pessoas jurídicas no capital social de empresas do Simples Nacional ou a participação de pessoas físicas que já sejam sócias de outras empresas com faturamento elevado poderiam levar ao desenquadramento.
  • Contrato de Participação: O investimento é formalizado por meio de um Contrato de Participação, que é um instrumento jurídico que define os termos do investimento sem que o investidor anjo se torne sócio da empresa. Esse contrato garante a separação entre o capital investido e o capital social, preservando a natureza jurídica da empresa como ME ou EPP.

 

Segurança Jurídica para o Investidor Anjo


As leis também trouxeram maior segurança para o investidor anjo, incentivando o investimento em startups e pequenas empresas:

  • Limitação de Responsabilidade: A responsabilidade do investidor anjo é limitada ao valor do capital aportado. Ele não responde por qualquer dívida da empresa, seja ela trabalhista, tributária, civil ou de consumo, inclusive em caso de recuperação judicial ou falência. Essa proteção é vital para atrair investidores, pois mitiga os riscos inerentes a investimentos em empresas em estágio inicial.
  • Não Interferência na Gestão: O investidor anjo não tem direito a voto ou gerência na administração da empresa. Sua atuação é de apoio e mentoria, sem se envolver diretamente nas decisões operacionais. Isso evita conflitos de interesse e mantém a autonomia dos empreendedores.
  • Remuneração e Retorno do Investimento: A legislação permite que o investidor anjo seja remunerado por seus aportes, com a distribuição de resultados limitada a 50% dos lucros apurados pela sociedade, durante o período de vigência do contrato (máximo de sete anos). Além disso, há previsão de direitos como o direito de preferência na aquisição de cotas ou ações e o direito de venda conjunta (tag along), que garantem ao investidor a possibilidade de reaver seu investimento e obter lucro.

 

Em suma, a legislação brasileira criou um ambiente mais favorável para a interação entre investidores anjo e empresas do Simples Nacional, oferecendo segurança jurídica para ambas as partes e estimulando o desenvolvimento de novos negócios sem comprometer os benefícios fiscais do regime simplificado.

Conclusão
A regulamentação do investidor anjo no Brasil, por meio da Lei Complementar nº 155/2016 e da Lei Complementar nº 182/2021, representou um avanço significativo para o ambiente de negócios, especialmente para as micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional. As legislações trouxeram a segurança jurídica necessária para que o aporte de capital por investidores anjo não resulte no desenquadramento dessas empresas do regime tributário simplificado.

Ao estabelecer que o investimento anjo não integra o capital social da empresa e que o investidor não se torna sócio, não responde por dívidas e não interfere na gestão, o legislador criou um arcabouço legal que protege tanto a empresa, que mantém seus benefícios fiscais, quanto o investidor, que tem sua responsabilidade limitada ao valor aportado. Essa clareza legal é fundamental para incentivar o fluxo de capital e conhecimento para startups e MPEs, fomentando a inovação e o empreendedorismo no país.

É crucial que tanto empreendedores quanto investidores anjo estejam cientes das disposições legais e formalizem o investimento por meio do Contrato de Participação, garantindo que todos os requisitos sejam cumpridos. A sinergia entre o capital e a expertise do investidor anjo e a agilidade e os benefícios do Simples Nacional cria um cenário promissor para o desenvolvimento de novos negócios e para o crescimento econômico do Brasil.

Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm
BRASIL. Lei Complementar nº 155, de 27 de outubro de 2016. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp155.htm
BRASIL. Lei Complementar nº 182, de 1º de junho de 2021. Disponível em: https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14195.htm
ANJOS DO BRASIL. O que é um investidor-anjo. Disponível em: https://
www.anjosdobrasil.net/o-que-e-um-investidor-anjo.html
RECEITA FEDERAL. Simples Nacional. Disponível em: https://
www8.receita.fazenda.gov.br/simplesnacional/

* Esse texto é meramente informativo. Consulte as legislações vigentes e jurisprudências atualizadas sobre o assunto.

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Blog,Societário e Estatutário

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